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Uma Breve História do Conhecimento das Doenças Venosas |
Autor: Prof. Dr. Miguel Francischelli Neto
Mestre e Doutor em Cirurgia Faculdade de Ciências Médicas da Universidade de Campinas
Chefe do Serviço e Coordenador do Programa de Residência Médica em Cirurgia Vascular do Hospital de Ensino da ISCML
copyright do autor 2002 -2012
Proibido reproduções sem autorização |
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3-A História da Escleroterapia
Em 1813, na Itália, Monteggia sugeriu o uso de álcool absoluto para esclerosar vasos e depois Leroy D´Etioles, em 1835, escreveu à Academia de Ciências da França propondo o mesmo álcool absoluto, com a intenção de tratar aneurismas arteriais por esclerose, mas a técnica foi logo abandonada. 7, 18 (figura 2.28)
Em 1849, o cirurgião francês C. Pravaz, em Lyon, inventou a seringa e a agulha e as utilizou para introduzir uma substância esclerosante, o percloreto de ferro, em um aneurisma arterial. A descoberta da seringa e da agulha foi o início da moderna escleroterapia. 6, 19 (figura 2.29)
Ainda em Lyon, mais precisamente em 1853, no hospital “l’Hotel-Dieu”, que tinha disponível apenas uma seringa, recentemente apresentada, Valette em um dia de julho, Petrequin no dia seguinte e Desgranges três dias depois, estenderam a técnica de Pravaz, ao tratamento das varizes, utilizando o mesmo percloreto de ferro. Acidentes logo sobrevieram, e levaram ao descrédito temporário do método, que tinha apresentado um encorajador início. 6,7,20
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Figura 2.28 :Giambattista Monteggia. Divisão de História da Medicina, Biblioteca Nacional de Medicina dos EUA. |
Ano |
Autor - País |
Contribuição |
607-690 |
Paulo Aegineta
Bizâncio |
Ligadura da safena magna, deixando a incisão aberta para cicatrização em segunda intenção para evitar sepsis. A primeira descrição da ligadura de safena. Utilizava uma tinta especial para marcar a veia. |
1674- 1750 |
Louis Petit
França |
Excisão de varizes. Sem anestesia. |
1783 -1843 |
Giovanni Rima
Itália |
Ligadura da safena no terço médio da coxa. Não utilizava anestesia |
1846 |
Benjamin Brodie
Reino Unido |
Descreveu o que seria posteriormente conhecido como teste de Trendelemburg, demonstrando refluxo da safena e recomendou a ligadura da crossa de safena, posteriormente influenciando a cirurgia descrita por Trendelemburg. |
1877 |
Schede |
Utilizava técnicas de ligadura percutânea e múltiplas interrupções. |
1885 |
Madelung |
Retirada completa da safena magna por incisão direta e com ligadura das tributárias. |
1891 |
Friedich Trendelemburg Alemanha |
Incisão transversa na junção entre o terço superior e médio da coxa, e ligadura da safena. Descreveu o sistema de válvulas. |
1908 |
Rindfleish – Friedel
Alemanha |
Ligadura da safena na crossa e abertura da pele em espiral ligando os ramos com resultados desastrosos |
1896 |
Willian Moore
Austrália |
Ligadura da crossa de safena sob anestesia local. |
1896 |
Thelwall Thomas
Reino Unido |
Ligadura de crossa de safena |
1916 |
John Homans- EUA |
Ligadura de crossa de safena |
1930 |
Geza de Takats-EUA |
Ligadura de crossa de safena |
1905 |
Willian Keller -EUA |
Fleboextrator interno |
1906 |
Charles Mayo -EUA |
Fleboextrator em anel, que passava por fora da veia e rompia colaterais |
1907 |
Sthephen Babcock EUA |
Fleboextrator com cabeça, precursor dos atuais. |
1940 |
Tom Myers-EUA |
Popularização da fleboextração da safena magna como realizada hoje, com ligadura da safena na junção safeno- femoral. |
Tabela 2.1: A História da cirurgia de varizes 6,9,10, 11,14, 17 |

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Figura 2.29 : A seringa de Pravaz. |
Weinlechner, na Alemanha em 1884, descreve resultados da escleroterapia com percloreto férrico: “32 pacientes, 411 injeções, (23 com uma sessão, cinco com duas sessões, dois com três e dois com quatro sessões). Foram obtidas 30 curas, sem óbitos, um flegmão de panturrilha e 18 gangrenas localizadas...”. 6
As complicações no início do tratamento esclerosante se deveram muito mais ao desconhecimento e pouca aplicação de técnicas assépticas, o que levava a supurações e septicemias, além das complicações tromboembólicas. A solução de percloreto férrico, utilizada por suas propriedades coagulantes, era a que causava mais complicações infecciosas, o que ocorria um pouco menos com a solução iôdo-tânica ( 5% de iodo e 45% de tanino), proposta por Socquet e Guillermmond e que também foi utilizada por Desgranges. A solução iodo-tânica que começava a ser aplicada nesta época tinha propriedades assépticas. A cirurgia também não apresentava bons resultados, porque a assepsia não era ainda uma técnica conhecida e disponível e as complicações infecciosas limitavam seu desenvolvimento.7,21
A escola médica vienense, muito respeitada no final do século XIX, utilizava a injeção perivascular como técnica de tratamento esclerosante, com resultados desastrosos. Isto levou ao congresso médico cirúrgico de Lyon a condenar a técnica como insegura, em 1894. Este retrocesso da técnica ocorreu a despeito de interessantes e sérios trabalhos experimentais descritos por Delore, no mesmo congresso, que começava a demonstrar os mecanismos da esclerose de vasos. A injeção perivascular, proposta pelos médicos vienenses, foi a responsável pela impopularidade das técnicas de escleroterapia no início do século passado.7, 10, 21
Os trabalhos de Delore apresentavam as primeiras descrições da ação fisiopatológica dos esclerosantes, demonstrando que a solução iodo-tânica possuía uma ação esclerosante não por provocar a coagulação do sangue, a idéia corrente, mas por agir na parede interna do vaso: “ Eu tenho a tendência a relegar a segundo plano a ação na formação de trombo do tanino, e valorizar a ação no endotélio lenta e irritativa do iodo, que provocará uma flebite de boa natureza”. Delore descrevia, há mais de uma centena de anos, que a formação do trombo era secundária ao processo de lesão do endotélio. Os conhecimentos fisiopatológicos de Delore, seguramente, ofereceram a seus pacientes, bons resultados que depois foram descritos por um discípulo, Rouby.7
Tavel, em Berna na Suíça, em 1904, descreveu a injeção da solução de ácido fênico a 5% seguida da ligadura da safena.7
Benedetto Schiassi de Bolonha, na Itália, em 1908, também associou uma técnica operatória à esclerose de varizes com iodeto de potássio. 6,7,22
Linser, P, na Alemanha em 1916, utilizou como esclerosante o bicloreto de mercúrio. Em 1920 na França, Sicard, J. utilizou o carbonato de sódio e depois, em 1922, o salicilato de sódio. 6,9,23
Sicard e seus alunos, na terceira década do século XIX, deram início ao que seria reconhecida como a escola francesa de flebologia, com o renascimento das técnicas de escleroterapia, mas, nesse momento, eclipsada pela maravilhosa “aventura cirúrgica” que havia sido desencadeada no início deste mesmo século.21 (figura 2.30)
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Figura 2.30: Jean Sicard. Litografia de Melle Formetin. Divisão de História da Medicina da Biblioteca Nacional de Medicina dos EUA. |
Kausch, em 1917, e Nobl, em 1926, utilizaram a solução de glicose concentrada para tratamento esclerosante das varizes. 6,22
Tournay, R, um dos alunos de Sicard, foi um grande estudioso das técnicas de escleroterapia e fundou em 1947 a sociedade francesa de flebologia, que teve grande influência no desenvolvimento da flebologia mundial. 4,6 (figura 2.31)
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Figura 2.31:R. Tournay. |
Nesta fase inicial, na Europa, seguindo a criação da sociedade francesa, houve a publicação de grande número de trabalhos sobre escleroterapia, principalmente na França. Entretanto, na América do Norte, houve apenas uma publicação em 1948, e outra em 1969. O Novo Mundo mostrava pequeno interesse pela técnica, naquela época. O desenvolvimento do procedimento cirúrgico explicava este abandono momentâneo da escleroterapia, que apresentava grande atraso em relação à cirurgia. 21
Mas os debates com argumentos contra e a favor da escleroterapia continuavam, e em 1947, Garber na África do Sul escreveu um convincente artigo contra a escleroterapia de grandes veias, sugerindo a ressecção alta da safena seguida de múltiplas ressecções das varizes. Embora a escleroterapia de grandes veias ainda seja praticada em outros países, a experiência entre nós mostra que esta tendência anunciada por Garber é a que deve ser seguida ainda hoje e a escleroterapia ser utilizada como um complemento à cirurgia e para tratamentos de vasos de menor calibre. 10Entretanto, entre críticos e defensores, a escleroterapia passou a ter um grande desenvolvimento, às vezes tendo a cirurgia como rival, e depois como aliada, mas nunca mais foi abandonada. 21
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Figura 2.32: Miyake, H. Importante Cirurgião Vascular Brasileiro , que plantou as bases clínicas do tratamento da doença venosa de importância estética no Brasil ( foto cortesia de Miyake , K. |
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Figura 2.33 . Potério Filho, J. Professor de Cirurgia Vascular da Universidade Estadual de Campinas e grande estudioso das doenças vasculares. Trouxe importantes contribuições à compreensão da fisiopatologia da doença venosa e ao seu tratamento. |
Outros são citados na verdadeira epopéia histórica da escleroterapia, na flebologia. Entre nós , devemos lembrar os professores Hiroshi Miyake da Universidade de São Paulo e João Potério Filho da Universidade Estadual de Campinas brilhantes pesquisadores das doenças venosas em suas bases estéticas e funcionais e que muitas contribuições nos legam.
Por causa da longa história, podemos encontrar no passado um grande número de médicos com espírito criativo que merecem ser lembrados, em qualquer estudo sobre este tema. Na tabela 2.2 encontramos os pioneiros e divulgadores dos métodos de escleroterapia e esclerosantes.4,7,21,22
Ano |
Esclerosante |
Autor |
1813 |
Álcool absoluto em artérias |
Monteggio, |
1835 |
Álcool Absoluto em artérias |
D’Etiolles, Leroy |
1851 |
Percloreto férrico em artérias |
Pravaz |
1853 |
Percloreto férrico em veias |
Valette, Petrequin, Desgranges |
1854 |
Solução iodo-tânica |
Socquet, Guillermond |
1880 |
Cloral |
Negretti |
1904 |
Solução de ácido fênico e ligadura safena |
Tavel |
1906 |
Iodo e iodeto de potássio |
Schiassi |
1910 |
Sublime |
Scharf |
1917 |
Glicose hipertônica/calorose |
Kausch |
1919 |
Salicilato de sódio |
Sicard e Gaugier |
1919 |
Bicarbonato de sódio |
Sicard e Gaugier |
1920 |
Bicloreto de mercúrio |
Wolf |
1922 |
Sulfato de quinino 12% com uretano 6% |
Geneurier |
1922 |
Biiodeto de mercúrio |
Lacroix, Bazelis |
1926 |
Solução salina hipertônica com procaína |
Linser |
1927 |
Açúcar de uva a 50% |
Doerffel |
1929 |
Citrato de sódio |
Kern e Angel |
1929 |
Solução salina hipertônica a 20-30% |
Kern e Angel |
1930 |
Morruato de sódio |
Higgins e Kittel |
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1933 |
Glicerina cromada |
Jausion |
1937 |
Oleato de monoetanolamina |
Biegeleisen |
1946 |
Sulfato tetradecil de sódio |
Reiner |
1949 |
Mercúrio fenolado e amônia |
Tournay e Wallois |
1959 |
Íons poliiodados estabilizados |
Imhoff e Sigg |
1966 |
Polidocanol |
Henschel.Eichenberg |
1969 |
Solução salina hipertônica/dextrose |
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Tabela 2.2: A cronologia da introdução dos esclerosantes na prática médica.4, 7,21,22 |
continua parte 4 - O Controle Estético das Doenças Venosas
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